A HISTÓRIA DAS REGRAS DA CONGREGAÇÃO (1587 – 1910)

Um padre de nossa Província, encarregado de preparar uma nova edição do 'Mensageiro – Manual da Congregação', há um bom bocado de anos compôs um novo conjunto de Regras, o que significaria substituir no Manual aquelas aprovadas pelo Padre Beckx em 1855. Ele poderia ter simplesmente publicado suas Regras sem mais delongas, como alguns já fizeram em outros países, mas sabia que tinha que submeter seu trabalho ao Padre Geral, pois o poder de aprovar as Regras da Congregação está reservado a ele na Companhia. As Regras foram, portanto, enviadas a Roma e o autor esperou e esperou – e nunca recebeu resposta! Sem dúvidas, o referido padre aproveitou essa experiência para se tornar um homem mais sábio; caso não tenha sido suficiente, a história a seguir pode ajudá-lo a ver o motivo de seu fracasso.

As Regras de Congregação foram aprovadas três vezes pelo Padre Geral. A primeira vez foi em 1587. Alguma tradição vaga, e talvez não fidedigna, faz do padre Aquaviva o autor dessas Regras. Sabemos com certeza que ele os colocou nas mãos de vários Padres para revisão e, depois de considerar suas sugestões, revogou formalmente todas as Regras anteriores e promulgou as novas na Congregação Prima Primária no primeiro dia de novembro de 1587. O rascunho original estava em italiano. Uma tradução para o latim foi feita imediatamente e impressa no Colégio Romano até o final daquele ano.

As Regras Comuns de 1587 foram as únicas em vigor durante o longo período de 1587 a 1773.

A supressão da Companhia, é claro, destruiu a grande maioria das Congregações e jogou o resto em um estado de confusão. Muitos abusos foram introduzidos e a prática das Regras foi em grande parte abandonada, mesmo na Prima Primária.

Após a devolução do Colégio Romano e da Prima Primária à Companhia, foi necessário um trabalho sério sobre as Regras, a fim de adaptá-las aos tempos. Esse trabalho foi iniciado por volta de 1831 pelo Padre Diretor e pelo Conselho da Prima Primária e continuou até 1846. O resultado foi um corpo de Regras Particulares para a Prima Primária e um pequeno conjunto de Regras Latinas – somente nove, ao todo – como proposta para o uso comum. Então veio a Revolução Romana de 1848, que fez com que muitos projetos fossem esquecidos: certamente as Regras Prima Primária de 1846 desapareceram de cena. Nem sabemos se elas chegaram a ser postas diante do Padre Geral.

Mas considerou-se que novas Regras eram uma necessidade e, em 1855, o Padre Geral Beckx promulgou as segundas Regras Comuns. Elas são atribuídas padre Parthenius, mas a designação não está totalmente correta, pelo seguinte motivo.

O padre Parthenius (Joseph Marianus Mazzolari) foi diretor de uma das Congregações do Colégio Romano entre 1752 e 1773. Ele escreveu um conjunto de Regras para Congregações, especialmente aplicáveis às dos Colégios Jesuítas, por volta do ano de 1760. Essas Regras, ou melhor, uma cópia fotográfica delas, estão na posse deste que vos escreve. Elas são uma tradução latina das primeiras Regras italianas, com consideráveis adições, feitas por Parthenius. Aparentemente, o que aconteceu foi isso. O padre Joseph Boero, que na época era arquivista na Cúria, descobriu a cópia sobredita nos Arquivos e, enquanto o assunto das novas Regras da Congregação estava sendo discutido, as apresentou ao padre Geral Beckx. O padre Boero teria, naturalmente, introduzido certas mudanças nas Regras, de modo a torná-las adequadas para todos os tipos de Congregações, seja nas Casas da Companhia ou não. Não temos registro de nenhum exame adicional destas Regras por qualquer padre designado para esse fim, e até mesmo o autêntico decreto de aprovação é ausente. O Regulamento foi publicado na Civiltà Católica datado de 1855. Esta é, sem dúvida, garantia suficiente da autenticidade do Decreto do Padre Beckx, que as prefaciou. O padre Beckx aprovou de forma absoluta as Regras de 1855, sem distinção entre Congregações não-jesuítas e jesuítas. Há boas razões para pensar que ele as quis aplicar todos, não desejando admitir na prática a teoria de que fora da Companhia as Congregações estavam sujeitas ao Breve Quaecunque de Clemente VIII, que exige que as Regras das Confrarias tenham a aprovação do Ordinário. O argumento para basear esta opinião pode ser resumido da seguinte maneira:

Em 1864, o Procurador Geral da Companhia, padre Betti, imprimiu um panfleto em nome do Padre Geral para explicar que as Congregações, dentro e fora das casas da Companhia não estavam incluídas na Bula Quaecunque, e sua alegação foi aceita como válida, sendo a decisão formalmente proferida pela Sagrada Congregação das Indulgências, em 29 de agosto de 1864. O padre Betti baseou sua afirmação nas concessões de Leão XII feitas em 1824 e 1825 e na Bula Áurea de Bento XIV, do ano de 1748. Ele usou os documentos anteriores para mostrar que as Congregações, desde 1825, estavam nas mesmas condições que as existentes em 1748. Então, em 1748, as Regras da Congregação estavam inteiramente sujeitas ao Padre Geral da Companhia. A conclusão é que elas também eram depois de 1825, apesar do fato de que depois de 1825 muitas Congregações não estavam em nossas Casas ou Igrejas.

A posição do padre Betti não era nova na Companhia; pelo contrário, parece ter sido a opinião comum nos quartéis. Sem aprofundar o assunto aqui, podemos oferecer isso como uma explicação do fato de o padre Beckx ter aprovado as Regras da Congregação sem distinguir entre Congregações jesuítas e externas.

O próximo evento na história das Regras data de 1885. Nesse ano, o Padre Vigário Geral Anderledy enviou à Companhia duas Instruções sobre as Congregações: uma para as Nossas e a outra para as Externas. Na primeira, ele ordenou que nossas Congregações cumprissem as Regras já aprovadas, isto é, as do padre Beckx – as outras já haviam se tornado completamente indisponíveis, pois as cópias eram extremamente raras – na segunda instrução, ele propôs para as Congregações externas um Núcleo de Regras sobre as quais Regras Particulares seriam criadas. Ele exigiu que estas adotassem este Núcleo das Regras, da mesma forma como o padre Beckx havia aprovado a aplicação das Regras de forma integral anteriormente. Mas temos informações de que ele não pretendia que se criassem novas Regras fora de seus Estatutos Gerais – por isso a criação de tal Núcleo – e, portanto, eles não contam como uma terceira Regra Comum. Infelizmente, elas foram encaradas de modo que geraram uma confusão de proporção considerável na questão das Regras da Congregação e no próprio trabalho da Congregação.

Entre 1885 e 1910, foram agregadas à Prima Primária praticamente a mesma quantidade de Congregações agregadas entre 1854 e 1885. Pelo menos nove décimos destas eram Congregações externas e, em muitos casos, existiam sob condições que estavam bem fora do alcance da direção dos jesuítas; a bem da verdade, o controle jesuíta foi claramente depreciado em muitos momentos, como, por exemplo, no Reichstag alemão, em 1904, quando um forte protesto foi feito contra a existência de Congregações na Alemanha, exatamente por causa de sua conexão com a Companhia. Essas e outras razões semelhantes levaram à aprovação de uma nova Regra, em 1910, que não é contrária à opinião de certos canonistas, que acreditam que as Congregações externas não são da jurisdição do Padre Geral.

A ocasião imediata da elaboração das Regras de 1910 atendeu o anseio de vários escritores sobre dispor de Regras com conteúdo e forma modernos para os Manuais que estavam sendo, então, publicados. O trabalho foi iniciado no verão de 1909. As Regras do Padre Beckx foram tomadas como base e reorganizadas em uma nova ordem com algumas mudanças materiais. A composição resultante foi completamente revisada e, em sua terceira edição, foi enviada a um padre do Colégio Germânico para seu parecer, que ainda assim foi adverso, pois este era a favor de mais brevidade, embora não fizesse objeção ao conteúdo. Infelizmente, este padre ficou doente pouco depois e não pôde continuar seus trabalhos na reforma das Regras.

A quarta edição do manuscrito foi então preparada a partir da terceira, valendo-se mais, desta vez, dos Decretos Pontifícios relacionados à Congregação, muitos deles pertencentes a uma data posterior à versão do Padre Parthenius. Cópias datilografadas com margens amplas foram enviadas a sete padres, um na Áustria, um na Inglaterra, dois na França, um na Irlanda, um na Irlanda, um na Itália e um na Espanha. Todos eram especialistas no trabalho da Congregação e todos, exceto um, escreveram sobre a Congregação; cinco deles tinham publicado os manuais da Congregação, um era o chefe da Congregação de maior sucesso dos tempos modernos, três eram editores de revistas da Congregação..

Depois de algum tempo, as respostas foram recebidas dos Padres, e a quinta edição das Regras foi feita, em grande parte, levando-se em consideração suas sugestões.
Uma cópia datilografada desta edição foi enviada a outro padre da Assistência Alemã, editor de uma Revista da Congregação, e outras cópias foram enviadas a quatro padres da Cúria, um dos quais compartilhou com o padre Beringer o trabalho de preparar todos os os documentos da Congregação emitidos pela Cúria nos últimos vinte e cinco anos. Os quatro padres representavam as assistências alemã, francesa e espanhola. A partir de suas anotações sobre as Regras, foi composta uma sexta edição, incorporando os frutos de todo o estudo até agora realizado sobre o assunto. Antes de a sexta edição ser proposta ao Padre Geral,  como pretendido, as Regras aprovadas pelo padre Martin em 1904 para nossas casas espanholas foram novamente examinadas e, após algumas considerações, achou-se por bem abandonar a sexta edição e submeter as Regras a uma aprovação geral. Isso finalmente foi feito, depois que as Regras espanholas foram reorganizadas e adaptadas de acordo com o que os padres consultados haviam sugerido. Esta cópia – a sétima edição – foi apresentada ao Padre Geral e ele fez um estudo preliminar. Sua ausência de Roma se seguiu logo depois, mas o intervalo foi ocupado enviando as Regras ao Assistente do Padre Geral para seus comentários oficiais e por escrito. Em novembro de 1910, as Regras chegaram finalmente à fase conclusiva. O padre Geral examinou-as pessoalmente e, na festa de Santo Estanislau, decidiu aprovar não a sétima edição, mas as Regras espanholas a partir das quais fora feita. Uma tradução para o latim foi imediatamente preparada e comparada com a original por dois padres espanhóis, e foram feitas algumas adições, necessárias pelas circunstâncias, levando em consideração especialmente os comentários dos padres assistentes. A forma latina das Regras foi então submetida novamente ao Padre Geral e, após um minucioso – o terceiro – exame por ele e com correções anotadas em sua própria caligrafia, a oitava edição do Regulamento foi aprovada por um decreto formal, também lavrado de próprio punho, com a data da Imaculada Conceição de Nossa Senhora de 1910, sendo escolhida para o ato. As novas Regras foram impressas imediatamente na Acta Romana S. J. e foram assim comunicados a toda a Companhia.

A aprovação e aplicação das Regras de 1910 se restringe às Casas e Igrejas da Companhia de Jesus. Deste modo, deixa em aberto a questão de quão longe o Padre Geral teria poder para estabelecer Regras para as Congregações não-jesuítas. Isso não significa que ele deixa de exigir certas características de todas as Congregações que busquem a agregação, mas permite que as Congregações externas, ao apresentar sua petição de agregação, enviem juntamente Regras diferentes das de 1910.

Espera-se, porém, que muitas Congregações, se não todas, aceitem de bom grado as novas Regras para sua orientação e, por isso, foram adicionadas notas a várias edições do vernáculo, adaptando as Regras às Congregações não-jesuítas. Isso foi feito, é claro, sem a chancela do Padre Geral, que não era necessária para o ato. Tais notas encontram-se anexadas, por exemplo, às Regras apresentadas no “Diretório Oficial”, publicado na Inglaterra, Irlanda, América, Espanha e Itália, com o imprimi potest de seus respectivos Padres Provinciais. O “Diretório Oficial” foi escrito por quatro padres em Roma e fornecido de aos Padres interessados em sua publicação. Não possui aprovação romana, mas é uma fonte mais rica para estudo do que os documentos que usualmente são enviados e ainda mais do que as instruções anteriormente enviadas pelo Padre Geral. Deste modo, é provável que substitua, conforme pretendido, as Instruções encontradas na Acta Romana S. J. de 1906–1910.

Essa é a história das novas Regras da Congregação. Pode-se ver facilmente que sua elaboração não foi uma tarefa fácil sob nenhum aspecto. E que quem espera obter outro conjunto aprovado nos próximos cinquenta anos pode preparar-se para muito trabalho e muitas decepções, e ainda assim talvez encontre o fracasso ao final.

Falar sobre o conteúdo das Regras é desnecessário. Elas estão abertas a todos na Acta Romana em latim e nos diversos “Diretórios Oficiais” em vernáculo, e ninguém tem desculpas para não saber o que ali se prescreve ou recomenda.

Pe. Elder Mullan, SJ
IN: Woodstock Letters, Volume XL, Number 3, 1 October 1911